quarta-feira, 22 de agosto de 2012

AS DIVERSAS FACES DO CÍUME NO CASAL

 
 
 



As Diversas Faces do Ciúme no Casal

Iara Pezzini Saccomori

O famoso sentimento que tem cor, como escreveu William Sheakespeare em Otelo

(1603) “... monstro de olhos verdes...” possui várias fontes que o alimenta.

A minha proposta, no entanto, será poder falar em ciúme pela polaridade do positivo e

o negativo ou até onde um sentimento pode ou não interferir na vida afetiva de uma

pessoa.

Falar em ciúme sem dúvida é muito mais fácil do que sentir. Mas, e porque será que tal

emoção provoca tantos receios?

Do ponto de vista fisiológico comprova-se que há um significativo aumento na

liberação de neurotransmissores na corrente sanguínea que alteram a ordem do

pensamento comum em relação a algo ou a alguém.

Do ponto de vista psíquico é como se houvesse um circuito de idéias que leva o sujeito

a perceber uma real ameaça de perda do objeto desejado.

E, aqui, quero colocar que vou me ocupar de um tipo de relação provocadora de

ciúmes. A relação entre ciúmes e o vínculo de amantes.

Considero importante fazer esta diferenciação, pois, se sabe que este sentimento pode

ser experimentado tanto em relação a pessoas, como também, em relação a animais,

objetos e outras situações inespecíficas que desordenam o sujeito.

Bem se todo o relacionamento parte do encontro entre duas pessoas, o ciúme se dá

no encontro entre duas pessoas e o perigo do surgimento de outro. O que era de dois

passa a ser de três. Este outro, não necessariamente, será real. Pode ser apenas uma

idéia equivocada e inconveniente que passa a assolar a mente do ciumento.

A partir, então, da possibilidade de ocorrer o afastamento daquele que está investido

de todo o desejo como ser amado o sentimento de esvaziamento faz o “sofredor” ir à

busca de informações que possam aliviar ou afastar este medo.

Talvez, seja por isto que algumas atitudes do ciumento sejam tidas como loucura. É

perfeitamente compreensível que se pense assim, porque, a pessoa passa a ter

condutas que não condizem com o observável em seu cotidiano.

Aquele que se mostrava tranquilo passa a ser agitado, o ambiente de calmo torna-se

efervescente, o humor descontrola e os momentos de animosidade entre o casal

entram para o dia a dia.

Ainda que, a parte do casal que se sente acusada prove “sua inocência”, não existem

explicações que diminuam o temor de traição da outra parte.

Neste modelo de funcionamento, muitos casais se constituem e formam um par, ou

melhor, um vínculo de intensa descontinuidade, devido à falta de confiança instaurada

entre estes dois.

O que caracteriza um par ciumento-enciumado é a alternância do “sofredor”. Embora,

as atitudes não mostrem grandes diferenças entre um e outro.

Nestes casais o afeto que circula é proveniente de uma fonte de dúvidas a cerca da

capacidade de continuarem juntos. Frente a este tipo de circulação afetiva, o vínculo

perde em qualidade de evolução. O par adoece. São pares sintomáticos e que

despertam, clinicamente, a inconsistência do afeto.

As situações vividas pelo casal ciumento por espaço temporal ficam dentro do controle

dos dois, ou seja, as pessoas fora do relacionamento não percebem as dificuldades que

estão apresentando.

Passado este primeiro estágio não há mecanismos que sejam suficientes para a

contenção e as paredes do que protegem o casal começam a abrir uma transparência

para os olhos dos outros, os comentários tanto no meio familiar como social crescem

em evidência.

Os problemas tomam proporções importantes e a violência pode aparecer como

medida extrema para controlar o outro.

Parece-me necessário colocar que não há um homem ciumento sem a presença de

uma mulher ciumenta e vice-versa, no sentido de uma permissão para que o ciúme

apareça. Bem, mas, daí surge questões do tipo acusatórias onde um diz que o outro é

o verdadeiro ciumento.

A proporcionalidade é difícil de ser medida, no entanto, frente a qualquer mudança ou

afrouxamento do controle exercido, ambos retornam a busca de outro fator que possa

novamente trazer a dúvida e desencadear o ciúme, mantendo assim a sensação de

desconforto e falsa idéia de que assim é que provam um amor pelo outro.

Aliás, provar e procurar provas são o que um ciumento sabe fazer de melhor. Afinal a

obsessividade do pensamento é tão grande que se tornam excelentes investigadores.

Alguns, na ausência de “sinais criminosos” criam fatos que suscitem a possibilidade da

traição, para provocar o parceiro e assim fazê-lo refém do medo de ser abandonado ou

abandonar.

No vínculo de ciumentos o tema chave é a manutenção da falta de confiança a ser

depositada no outro. Aqui podemos abrir um parêntese para colocar que o ciumento

dificilmente acredita que é capaz de conquistar alguém e mantê-lo.

As relações ficam frágeis por não conseguirem estar com outro o tempo todo. Aqui

faço um segundo parentese para dizer que nos contatos inicias entre duas pessoas, no

enamoramento, é comum “... o monstro de olhos verdes...” aparecer. Especialmente

por esta ser fase do encontro que caracteriza a conquista. Tanto o homem como a

mulher estão demonstrando o melhor de si para atrair o parceiro.

Os dois acreditam com veemência naquilo que estão vendo. E o perigo de perder é

impensável.

O natural para este momento é que haja uma mudança no curso do pensamento e que

ambos passem a notar “os defeitos” do outro e com tolerância e aprendizado evoluam

para o estágio posterior ao enamoramento. Onde a presença do externo ao vínculo se

tornará concreta e os dois agüentarão o distanciamento previsto para todas as

relações a dois.

As separações não serão mais ameaças e sim a retomada da individualidade de cada

um, ponto básico para a existência de um no outro. Ou seja, estarão longe e sem medo

de estarem abandonados.

Acreditarão na capacidade de conquista e ao mesmo tempo na dose de confiança que

deverão depositar no parceiro.

Então, confiança e conquista são ingredientes que fazem parte da receita para um

relacionamento progredir e adquirir qualidades específicas de vida própria. Como

assim, vida própria?! Esta ressalva é um dado pontual para um vínculo de casal existir,

isto é, uma nova dupla só se formará onde houver entre eles espaço para o fato novo.

O fato novo é algo que irá qualificar o casal que está se formando e este fato é a

característica que mostra como funcionam, quando estão juntos.

A caracterização do novo casal com o passar do tempo será percebido por todos e à

medida que comecem a participação no meio social e eles serão identificados no grupo

como um casal aberto ou fechado.

O ciúme está comumente presente, nos casais fechados ao externo e/ou social. Afinal

é a ameaça que os afasta do convívio.

Bem, mas esta classificação corresponde até agora ao vínculo, mas é como se pensa

aquele tipo de casal em que fica claro que a dificuldade em relação ao ciúme é apenas

de um do par?

Penso que a resposta a esta pergunta está na forma de como será aceitável ou não a

presença constante do temor gerado por este sentimento naquele que não sofre com

ele.

Se for aceitável, a parte que não sofre sabe, então, que será uma qualidade circulante

entre os dois o aspecto ciumento do par escolhido. Se der certo ou não isto seria para

outro momento, porém, desejo que fique claro o processo de aceitabilidade da outra

parte, a não-cuimenta.

O ciúme é sempre fator de angústia, embora não seja obrigatoriamente, causa de

eterno sofrimento ou dor.

Pode parecer paradoxal, mas ciúme também protege. Como assim? Assim como ele

desprotege o vínculo, também, em doses e em intensidade saudáveis, é capaz de

proteger.

Se a pessoa sabe que não há como capturar o outro sem que este permita em boa

medida. Logo, não há a possibilidade de uma conquista de território que não tenha

que ser renovada de tempos em tempos, diria que através deste prisma no encontro

de duas pessoas é como se ocorresse também um contrato de locação de afeto e que

deve ser re-contratado, esporadicamente, para não ocorrer à desocupação.

Aqui está o ciúme que protege. Eu diria, inclusive, que o ciúme é mola propulsora que

envolve este contrato de locação.

A cada renovação deste contrato o par sofre e, aqui, na medida suportável para

ambos, de uma “angústia pensante“, pois se estar a dois não é a garantia de

eternidade ambos passarão por uma reciclagem do afeto para seguirem no caminho

de conquista um do outro.

Neste processo muitas adversidades podem aparecer, porém serão aproveitadas para

o desfrute do casal. O ciúme de nocivo passa a ser uma qualidade de defesa do casal.

Nesta perspectiva a nocividade diminui, porque, a característica dos ciumentos não

excede a par e as pessoas que estão no em torno dele não ficam alheias ao convívio

com os mesmos.

Em momentos como este, novos acordos serão estabelecidos e farão parte de um

novo contrato, com um novo prazo de validação para ambos.

As “clausúlas” destas novas condições para o relacionamento podem incluir desde

uma temporalidade para a presença da angústia de separação, até mesmo para a

combinação de como eles irão proceder a um com o outro ao sinal da presença desta

angústia.

Ou seja, não significa que não haverá sofrimento frente ao ciúme que é sentido, porém

a busca de provas, as condutas estranhas, os pensamentos obsessivos em relação ao

outro serão experimentados assim como nos vínculos dito patológicos, no entanto, a

intensidade é administrada por dois e não por apenas um. A palavra falada pede

passagem para dar vazão ao sentimento que está desestabilizando o casal. E, como foi

falada antes, nova propostas será lançado à discussão.

É utilizar o sentimento do ciúme a favor e não contra o time que está em campo.

Para encerrar, me parece importante colocar que todos nós tenhamos uma boa fatia

do nosso “bolo” mental capazes de romper as barreiras que freiam o ciúme e que a

qualquer momento, este sentimento pode florescer em cada de modo não pensado

antes.

Afinal, em alguma parte da nossa vida já pensamos que éramos um só, depois

passamos a perceber que éramos dois e por fim descobrimos que existiam três,

portanto, temos o registro de se não cuidarmos, poderemos perder...
 

 

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